quarta-feira, 7 de maio de 2014

Características dos Heterónimos de Fernando Pessoa; Análise de “O guardador de rebanhos” de Alberto Caeiro

Análise de “O guardador de rebanhos” de Alberto Caeiro

“O guardador de rebanhos”
O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seriam iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir? 
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma sequestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores,
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores. 

Análise do Poema:
“o que nós vemos das cousas são as cousas” assim se inicia o poema, desta forma Caeiro explica que as coisas são como as vemos e nada mais para além disso, pois segundo a filosofia do “Mestre” querer ver para além das coisas, raciocinando, é iludir-se.
Este poema procura ensinar o leitor a “pensar em a pensar” o real.
Nos versos 5 e 6 “O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar”  , o poeta diz-nos que o essencial é ter consciência de sentir (saber) sem raciocinar (pensar).
No 10º verso o poeta anti-metafórico contempla-nos com a metáfora “…Alma vestida” em que o eu poético lamenta o peso dos nossos ensinamentos e convicções que, tal como uma roupa vestida, protegem a nossa alma e impossibilitam a visão das coisas tal como elas o são. Caeiro dá ênfase à naturalidade e espontaneidade excluindo o excesso de reflexão e pensamento. A roupa e  tudo o que nos cobre os olhos e os sentidos, são imposições culturais, filosóficas e religiosas que nos impossibilitam de ver a realidade como ela é.
Nos três últimos versos, as estrelas e as flores são como que uma expressão de fuga para a simplicidade da Natureza, aqui mais uma vez está implícito a simplicidade das coisas elas são o que os olhos vêem, são apenas elas mesmas.
O paradoxo : “uma aprendizagem de desaprender” diz respeito à libertação do peso da metafísica em que foi tradicionalmente formado. Trata-se de um novo processo de aprendizagem que pressupõe a libertação de todas as convicçoes e pensamentos adquiridos. Paradoxalmente, para aprender é preciso abandonar as  formas e conteúdos pré-impostos e pré-concebidos, pensando menos para  libertar-se de tudo o que possa alterar a captação da realidade.


Análise de "Viajar! Perder países!" de Fernando Pessoa


"Viajar! Perder países!"

Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

Reflexão:
 A noção de viagem presente no primeiro verso está associada à ideia de procura para o sujeito poético viajar não implica ganhar países, ganhar lugares na rota da sua vida; significa, antes, procura de si mesmo, encontro consigo mesmo.
 No entanto, o poema parte de uma ideia paradoxal de viagem, falando-se aqui de uma viagem permanente, de partidas constantes, na qual cada rosto de si mesmo encontrado é um lugar imediatamente perdido. Ou seja, trata-se de uma viagem permanente procura e descoberta do ser que é sempre outro e não tem amarras a ninguém, nem a si mesmo.

Características dos Heterónimos de Fernando Pessoa

Alberto Caeiro: Eu não penso, sinto
Características temáticas: o “Mestre” dos outros; o poeta dos sentidos – Sensacionismo (predomínio das sensações por oposição ao pensamento; poesia do “olhar”; poesia das sensações tais como são; interpretação do mundo a partir dos sentidos); relação de harmonia com a natureza (integração e comunhão com a Natureza; atenção à “eterna novidade do mundo”; deambulismo bucólico; recusa do pensamento; aceitação do mundo, da vida, da morte; poesia do presente e imediato; panteísmo naturalista). Mas também o paradoxo: contradição entre a “teoria” e a “prática”
Características de linguagem e estilo: verso livre, métrica e estrofes irregulares; pobreza lexical, linguagem simples; adjectivação objectiva; frases simples e predomínio do presente do indicativo (e uso do infinito ou do gerúndio); predomínio da coordenação e do polissíndeto; nomes concretos e artigos definidos. Mas também o paradoxo: comparações e metáforas; discurso argumentativo, com causais e adversativas

Ricardo Reis: Eu domino-me e abdico
Características temáticas: Paganismo (crença nos deuses e na civilização grega); fatalismo (passividade, indiferença, ausência de compromisso com o Mundo; consciência da precariedade da vida; medo da morte); Epicurismo (busca da felicidade relativa, moderação nos prazeres, fuga à dor; “carpe diem” - vive o momento); Estoicismo (aceitação das leis do destino - a passagem do tempo e a morte - , autodisciplina face às paixões e à dor; intelectualização das emoções); culto do Belo, como forma de superar a efemeridade dos bens e a miséria da vida.
Características de linguagem e estilo:Classicismo (uso da Ode, de ideias e linguagem de inspiração clássica; predomínio da subordinação; uso frequente do gerúndio, do imperativo ou do conjuntivo; metáforas, comparações, ...; estilo construído com muito rigor; discurso moralista).

Álvaro de Campos: Eu sinto tudo e canso-me
Características temáticas: Futurismo (2ª fase): exaltação da civilização industrial e da técnica; da força, da violência, do excesso; ruptura com a lírica tradicional; atitude escandalosa. Sensacionismo: vivência excessiva das sensações, “Sentir tudo de todas as maneiras”, vontade doentia de fusão com o mundo tecnológico. Abulia (3ª fase): cansaço, tédio, pessimismo, solidão; angústia existencial e dor de pensar; fragmentação do “eu”; as saudades da infância. (o “reencontro” com o F. Pessoa Ortónimo)

Características de linguagem e estilo: verso livre, por vezes, muito longo; onomatopeias, aliterações; grafismos expressivos; mistura de níveis de língua; estrangeirismos e neologismos; enumerações excessivas, exclamações, interjeições, apóstrofes, pontuação emotiva; metáforas ousadas, antíteses, personificações, hipérboles, anáforas,...; desvios às regras sintácticas.

Características de Fernando Pessoa Ortónimo; Características dos Heterónimos de Fernando Pessoa

Características dos Heterónimos de Fernando Pessoa

Alberto Caeiro: Eu não penso, sinto
Características temáticas: o “Mestre” dos outros; o poeta dos sentidos – Sensacionismo (predomínio das sensações por oposição ao pensamento; poesia do “olhar”; poesia das sensações tais como são; interpretação do mundo a partir dos sentidos); relação de harmonia com a natureza (integração e comunhão com a Natureza; atenção à “eterna novidade do mundo”; deambulismo bucólico; recusa do pensamento; aceitação do mundo, da vida, da morte; poesia do presente e imediato; panteísmo naturalista). Mas também o paradoxo: contradição entre a “teoria” e a “prática”
Características de linguagem e estilo: verso livre, métrica e estrofes irregulares; pobreza lexical, linguagem simples; adjectivação objectiva; frases simples e predomínio do presente do indicativo (e uso do infinito ou do gerúndio); predomínio da coordenação e do polissíndeto; nomes concretos e artigos definidos. Mas também o paradoxo: comparações e metáforas; discurso argumentativo, com causais e adversativas

Ricardo Reis: Eu domino-me e abdico
Características temáticas: Paganismo (crença nos deuses e na civilização grega); fatalismo (passividade, indiferença, ausência de compromisso com o Mundo; consciência da precariedade da vida; medo da morte); Epicurismo (busca da felicidade relativa, moderação nos prazeres, fuga à dor; “carpe diem” - vive o momento); Estoicismo (aceitação das leis do destino - a passagem do tempo e a morte - , autodisciplina face às paixões e à dor; intelectualização das emoções); culto do Belo, como forma de superar a efemeridade dos bens e a miséria da vida.
Características de linguagem e estilo:Classicismo (uso da Ode, de ideias e linguagem de inspiração clássica; predomínio da subordinação; uso frequente do gerúndio, do imperativo ou do conjuntivo; metáforas, comparações, ...; estilo construído com muito rigor; discurso moralista).

Álvaro de Campos: Eu sinto tudo e canso-me
Características temáticas: Futurismo (2ª fase): exaltação da civilização industrial e da técnica; da força, da violência, do excesso; ruptura com a lírica tradicional; atitude escandalosa. Sensacionismo: vivência excessiva das sensações, “Sentir tudo de todas as maneiras”, vontade doentia de fusão com o mundo tecnológico. Abulia (3ª fase): cansaço, tédio, pessimismo, solidão; angústia existencial e dor de pensar; fragmentação do “eu”; as saudades da infância. (o “reencontro” com o F. Pessoa Ortónimo)

Características de linguagem e estilo: verso livre, por vezes, muito longo; onomatopeias, aliterações; grafismos expressivos; mistura de níveis de língua; estrangeirismos e neologismos; enumerações excessivas, exclamações, interjeições, apóstrofes, pontuação emotiva; metáforas ousadas, antíteses, personificações, hipérboles, anáforas,...; desvios às regras sintácticas.




Características de Fernando Pessoa Ortónimo

Fernando Pessoa conta e chora a insatisfação da alma humana. A sua precaridade, a sua limitação, a dor de pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se sente incapaz de construir e que, comparando as possibilidades miseráveis com a ambição desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio.
Os remédios para esse mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo messiânico, o estoicismo de Ricardo Reis, etc.. Todos estes remédios são tentativas frustradas porque o mal é a própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. É uma poesia cheia de desesperos e de entusiasmos febris, de náusea, tédios e angústias iluminados por uma inteligência lúcida – febre de absoluto e insatisfação do relativo.

A poesia está não na dor experimentada ou sentida mas no fingimento dela, apesar do poeta partir da dor real “a dor que deveras sente”. Não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de maneira a exprimir-se artisticamente e ser concretizado em arte. Esta concretização opera na memória a dor inicial fazendo parecer a dor imaginada mais autêntica do que a dor real. Podemos chegar à conclusão de que há 4 dores: a real (inicial), a que o poeta imagina (finge), a dor real do leitor e a dor lida, ou seja, intelectualizada, que provém da interpretação do leitor.

·  Identidade perdida (“Quem me dirá sou?”) e incapacidade de auto-definição (“Gato que brincas na rua (...)/ Todo o nada que és é teu./ Eu vejo-me e estou sem mim./ Conhece-me e não sou eu.”)
·  Consciência do absurdo da existência
·  Recusa da realidade, enquanto aparência (“Há entre mim e o real um véu/à própria concepção impenetrável”)
·  Tensão sinceridade/fingimento, consciência/inconsciência
·  Oposição sentir/pensar, pensamento/vontade, esperança/desilusão
·  Anti-sentimentalismo: intelectualização da emoção (“Eu simplesmente sinto/ Com a imaginação./ Não uso o coração.” – Isto)
·  Estados negativos: egotismo, solidão, cepticismo, tédioangústiacansaço, náusea, desespero
·  Inquietação metafísica, dor de viver
·  Neoplatonismo
·  Tentativa de superação da dor, do presente, etc., através de:
-   evocação da infância, idade de ouro, onde a felicidade ficou perdida e onde não existia o doloroso sentir: “Com que ânsia tão raiva/ Quero aquele outrora!” – “Pobre velha música”
-   refúgio no sonho, na música e na noite
-   ocultismo (correspondência entre o visível e o invisível)
-   criação dos heterónimos (“Sê plural como o Universo!”)
·  Intuição de um destino colectivo e épico para o seu País (Mensagem)
·  Renovador de mitos
·  Parte de uma percepção da realidade exterior para uma atitude reflexiva (constrói uma analogia entre as duas realidades transmitidas: a visão do mundo exterior é fabricada em função do sentimento interior)
·  Reflexão sobre o problema do tempo como vivência e como factor de fragmentação do “eu”
·  A vida é sentida como uma cadeia de instantes que uns aos outros se vão sucedendo, sem qualquer relação entre eles, provocando no poeta o sentimento da fragmentação e da falta de identidade
·  O presente é o único tempo por ele experimentado (em cada momento se é diferente do que se foi)
·  O passado não existe numa relação de continuidade com o presente
·  Tem uma visão negativa e pessimista da existência; o futuro aumentará a sua angústia porque é o resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade

Excerto da Génese dos Heterónimos de Fernando Pessoa

Excerto da Génese dos Heterónimos de Fernando Pessoa

“ Desde criança, tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar.”

           “ Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioridade. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem eu suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura – cara, estatuto, traje e gesto – imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, ouço, sinto, vejo. Repito: ouço, sinto, vejo… E tenho saudades deles. “

           “ Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia irregularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)
            Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente… Foi o regresso de Fernando Pessoa-Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sai própria inexistência como Alberto Caeiro.
            Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo individuo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.”

             “Mais uns apontamentos nesta matéria… Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e do mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão, nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1.30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso) não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura, mais dois cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos – o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de vago moreno mate; Campos, entre o branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma – só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem a Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.”
“Como escrevo em nome destes três? Caeiro, por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc. Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea em verso.)”

Biografia e Bibliografia de Fernando Pessoa

Biografia e Bibliografia de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa (1888-1935) foi poeta português. Um dos mais importantes poetas da língua portuguesa. "Mensagem" foi um dos poucos livros de poesias publicado em vida. Fernando Pessoa ocupou diversas profissões, foi editor, astrólogo, publicitário, jornalista, empresário, crítico literário e crítico político.
Fernando Pessoa (1888-1935) nasceu em Lisboa, Portugal, no dia 13 de Junho de 1888. Ficou órfão de pai aos 5 anos de idade. Seu padastro era o comandante João Miguel Rosa. Foi nomeado cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul. Acompanhou a família para a África e lá recebeu educação inglesa. Estudou em colégio de freiras e na Durban High School.

Em 1901 escreveu seus primeiros poemas em inglês. Em 1902 a família volta para Lisboa. Em 1903 Fernando volta sozinho para a África do Sul, onde submete-se a uma selecção para a Universidade do Cabo da Boa Esperança. Em 1905 de volta à Lisboa, matricula-se na Faculdade de Letras, onde cursou Filosofia. Em 1907 abandona o curso. Em 1912 estreou como crítico literário.

Fernando Pessoa foi vários poetas ao mesmo tempo. Tendo sido "plural" como se definiu, criou vários poetas, que conviviam nele. Cada um tem sua biografia e traços diferentes de personalidade. Os poetas não são pseudónimos e sim heterónimos, isto é indivíduos diferentes, cada qual com seu mundo próprio, representando o que angustiava ou encantava seu autor.

Criou entre outros heterónimos, Alberto Caeiro da Silva, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares. Caeiro é considerado naturalista e cético; Reis é um classicista, enquanto Campos tem um estilo associado ao do poeta norte-americano Walt Whitman.

Em 1915, liderou um grupo de intelectuais, entre eles Mário de Sá Carneiro e Almada Negreiros. Fundou a revista Orfeu, onde publicou poemas que escandalizaram a sociedade conservadora da época. Os poemas "Ode Triunfal" e "Opiário", escritos por Álvaro de Campos, causaram reacções violentas contra a revista. Fernando Pessoa foi chamado de louco.

Fernando Pessoa mostrou muito pouco de seu trabalho em vida. Em 1934 candidatou-se com a obra "Mensagem", um dos poucos livros publicados em vida, ao prémio de poesia do Secretariado Nacional de Informações de Lisboa. Ficou em segundo lugar.
Fernando António Nogueira Pessoa morreu em Lisboa, no dia 30 de Novembro de 1935.

Obras Publicadas em Vida

35 Sonnets, 1918
Antinous, 1918
English Poems, I, II e III, 1921
Mensagem, 1934

Obras Póstumas

Poesias de Fernando Pessoa, 1942
Poesias de Álvaro de Campos, 1944
A Nova Poesia Portuguesa, 1944
Poesias de Alberto Caeiro, 1946
Odes de Ricardo Reis, 1946
Poemas Dramáticos, 1952
Poesias Inéditas I e II, 1955 e 1956
Textos Filosóficos, 2 v, 1968
Novas Poesias Inéditas, 1973
Poemas Ingleses Publicados por Fernando Pessoa, 1974
Cartas de Amor de Fernando Pessoa, 1978
Sobre Portugal, 1979
Textos de Crítica e de Intervenção, 1980
Carta de Fernando Pessoa a João Gaspar Simões, 1982
Cartas de Fernando Pessoa a Armando Cortes Rodrigues, 1985
Obra Poética de Fernando Pessoa, 1986
O Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro, 1986
Primeiro Fausto, 1986

Modernismo; Modernismo nas Artes Plásticas

Modernismo nas Artes Plásticas

  Amadeo de Souza-Cardoso
  Almada Negreiros

  "A Mulher no Espelho" - Pablo Picasso
A ideia de que na Semiótica ela é um signo e que o signo é alguma coisa que representa outra coisa, é favoravelmente representada na obra de Pablo Picasso “A Mulher no Espelho”, é também representada geometricamente, no estilo cubista. Percebe-se a bipolaridade da personagem, principalmente a sensação de confusão. Tanto dentro como fora do espelho, a personagem é representada tendo duas caras uma feliz e a outra séria.
A mulher do espelho tem a aparência triste e deprimente, escondendo essa tristeza num manto azul. Esse reflexo apresenta o verdadeiro sentimento e estado físico da mulher.
Ela parece ter vergonha de quem é, ou de esconder quem é, ou esconder sua santidade.
A ideia principal da obra é a revelação do espelho para quem se observa, ou seja, o espelho diz a verdade e mostra a realidade.
Os braços parecem estar juntos com o espelho ou fazendo parte dele. Ambos os corpos estão deformados, muito diferente do rosto que apesar das formas geométricas tem certa perfeição ao representar a face.
Por ser uma obra que tem permanência, ela é um signo, pelo fato de estar olhando para o espelho isto faz a obra ser simbólica.

O espelho mostra o que ela não pode ver olhando a si mesma sem seu reflexo, portanto, a ausência se torna presente ou vice-versa. 






Modernismo

modernismo em Portugal desenvolveu-se aproximadamente no início do século XX até ao final do Estado Novo, na década de 1970.
O início do Modernismo Português ocorreu num momento em que o panorama mundial estava muito conturbado. Além da Revolução Russa de 1917, no ano de 1914 eclodiu a Primeira Guerra Mundial.
Em Portugal este período foi difícil, porque, com a guerra, estavam em jogo as colónias africanas que eram cobiçadas pelas grandes potências desde o final do século XIX. Para além disto, em 1911, foi eleito o primeiro presidente da República.
O marco inicial do Modernismo em Portugal foi a publicação da revista Orpheu, em 1915, influenciada pelas grandes correntes estéticas europeias, como o Futurismo, o Expressionismo, etc., reunindo Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Almada Negreiros, entre outros.
A sociedade portuguesa vivia uma situação de crise aguda e de desagregação de valores. Os modernistas portugueses respondem a esse momento, deixando atrás o acanhado meio cultural português, entregando-se à vertigem das sensações da vida moderna, da velocidade, da técnica, das máquinas. Era preciso esquecer o passado, comprometer-se com a nova realidade e interpretá-la cada um a seu modo. Nas páginas da revista Orpheu, esta geração publicou uma poesia complexa, de difícil acesso, que causou um grande escândalo naquela época. Mas a revista Orpheu teve uma curta duração publicando-se apenas um número mais e não tornaram a haver novas edições da mesma.
São características de estilo deste movimento: o rompimento com o passado, o carácter anárquico, o sentido demolidor e irreverente, o nacionalismo com múltiplas facetas - o nacionalismo crítico, que retoma o nacionalismo em uma postura crítica, irónica e questiona a situação social e cultural do país, e o nacionalismo ufanista (conservador), ligado principalmente às posturas da extrema-direita.
Aquele período apresentava-se dividido em três partes:

  • Orfismo - escritores responsáveis pela revista Orpheu, e por trazer Portugal de volta às discussões culturais na Europa;
  • Presencismo - integrada por aqueles que ficaram de fora do orfismo, que fundaram a revista Presença e que buscavam, sem romper com as ideias da geração anterior, aprofundar em Portugal a discussão sobre teoria da literatura e sobre novas formas de expressão que continuavam surgindo pelo mundo;
  • Neorrealismo - movimento que combateu o fascismo, e que defendeu uma literatura como crítica/denúncia social, combativa, reformadora, a serviço da sociedade – extremamente próxima do realismo no Brasil, daí advindo a nomenclatura “neorrealismo”, um novo realismo para “alertar” as pessoas e tirá-las da passividade

Estrutura externa; Estrutura interna; Manias!


Manias!

O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, – hoje uma ossada, –
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.

Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!







Estrutura interna
Este poema, tal como o já analisado “Ó áridas Messalinas”, tem como temas o amor e a mulher. O eu poético conta a história de um sujeito que conhecia que era amante de uma mulher que, apesar de possuir mau aspecto, era prepotente e exercia sobre ele uma grande influência.
Este poema, um soneto italiano, pode ser dividido em três partes lógicas.
A primeira parte é a primeira quadra, na qual o sujeito lírico faz uma pequena introdução, dando a sua opinião sobre o mundo e a vida. Faz um contraste um pouco lúgubre entre a tragédia e a comédia de que é feita a sociedade. Se, por um lado, existem as pessoas excessivamente preocupadas que encaram a vida como se fosse uma desgraça descomedida (“O mundo é velha cena ensanguentada…”), por outro lado, existem os que levam, ridiculamente, a vida de uma forma irreflectida (“A vida é chula farsa assobiada.”).
Daí parte para a segunda parte lógica do poema, iniciando o relato da história de um rapaz já falecido (“…hoje uma ossada…”), a qual serve de suporte para a sua visão jocosamente negra do mundo, já que trata do amor deste rapaz para com uma mulher muito pretensiosa e que exercia no rapaz uma influência tal que este se mostrava receosamente obediente (“…o dengue, em atitude receosa…”).
Na terceira parte do soneto (última estrofe), dá-se a apresentação da ideia principal, ao que se chama “fechar com chave de ouro”. O sujeito poético critica, de modo trocista, a submissão daquele rapaz perante aquela mulher, evidenciando a devoção a Deus por parte da mulher (“…que a amante ia ouvir missa!”) e a devoção àquela mulher por parte do rapaz (“…sujeição canina mais submissa…”).
As temáticas mais significativas abordadas por Cesário Verde neste poema são a humilhação sentimental e a imagética feminina.
O rapaz de quem se fala no poema é, então, o símbolo da humilhação sentimental, já que é totalmente dominado pela mulher que ama, apesar de esta ter mau aspecto (“esquálida e chagada”) e ser mais velha que este (“…já rugosa…”), o que acentua ainda mais o vexame deste rapaz.
Tal como em “Flores Velhas” e em “Ó áridas Messalinas”, também esta composição poética se refere a uma mulher, que, neste caso, é uma mulher fria, perversa, altiva, poderosa, que só deve explicações a Deus (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”), vaidosa, afectada e egocêntrica (“…cheia de jactância quixotesca.”), talvez de meia-idade (“…a deia já rugosa…”). Esta imagem da mulher é o símbolo da artificialidade citadina. Desta forma, mais uma vez a cidade está presente no poema na forma de mulher que serve para retratar os valores decadentes e a violência social.
Mais uma vez o Parnasianismo se encontra presente como corrente literária influente. Recorre-se bastantes vezes à descrição, (nomeadamente do rapaz, da mulher e do mundo), usando vocábulos concretos e claros. Está presente uma clara busca pela perfeição que se denota pela constante recorrência a vocabulário e a recursos estético-estilísticos que permitam uma maior expressividade. Existe também uma despersonalização da poesia, muito pelo facto de a história ser narrada na terceira pessoa. Além disto, tudo é descrito conforme realmente acontece.
Este poema é do mesmo período de “Ó áridas Messalinas”, tempo em que Cesário Verde se dedicou a elaborar poemas cujos temas eram o amor e a mulher. Na maior parte dos casos, estas composições poéticas são de tom satírico, que é o caso de “Manias!”. Isto é claramente evidenciado pela ironia presente no próprio título do poema.
A envolvência de Cesário neste poema é evidente, visto que existe não só a presença da cidade como elemento negativo, mas também da mulher como causa de humilhação, o que explica o facto de nesta altura, 1874, Cesário Verde ser um jovem cuja mentalidade era, em parte, influenciada pelo generalizado fascínio exercido pela mulher fatal e poderosa na sensibilidade do tempo. Este aspecto está também presente em “Ó áridas Messalinas”.

Unidade forma – conteúdo
O vocabulário utilizado neste poema é bastante variado e um pouco complicado já que não faz parte da linguagem geralmente usada no nosso quotidiano (“jactância”, “picaresca”, “pedantesca”, “quixotesca”, “deia”, “dengue”).
Relativamente à pontuação, pode-se verificar que, como cada uma das quadras encerra uma frase, os versos destas terminam com uma vírgula ou com ponto e vírgula, excepto o último verso que termina com ponto final, dando assim um término à frase. Também cada um dos versos dos tercetos encerra com uma vírgula, já que os dois tercetos englobam uma única frase, à excepção do último verso que encerra com o único ponto de exclamação do poema, já que este é o verso que revela de forma mais clara a ironia inerente ao texto.
Também se verifica o emprego do hífen na segunda quadra (“…-hoje uma ossada - …”) que tem como função a introdução de um pequeno à parte que nos dá uma informação suplementar.
Comparando “Manias!” com os outros dois poemas anteriormente analisados pode-se constatar que, no que diz respeito à linguagem, este poema é mais complexo do que os outros dois, o que é devido, em grande parte, aos vocábulos pouco usuais, como já foi referido. Assim, pode-se dizer que a linguagem é cuidada. No entanto, a construção sintáctica das frases é simples.
As principais figuras de estilo utilizadas são:
-  a metáfora (“Na sujeição canina mais submissa…”);
-  a adjectivação expressiva e abundante (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);
-  a hipálage (“Levava na tremente mão nervosa…”);
-  a enumeração (“Perversíssima, esquálida e chagada…”);
-  a ironia (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”);
-  o assíndeto (“O mundo é velha cena ensanguentada, / Coberta de remendos, picaresca…”);
-  a imagem (“O mundo é velha cena ensanguentada, / Coberta de remendos, picaresca…”);
-  o disfemismo (“…hoje uma ossada…”);
-  a exclamação (“O livro com que a amante ia ouvir missa!”).




Estrutura externa
Este poema é um soneto italiano, sendo constituído por duas quadras e dois tercetos. Possui, portanto, catorze versos, que são de dez sílabas, o que se pode confirmar pela seguinte análise:

“O / mun / do é / ve / lha / ce / na en / san / guen / ta / da,
  1      2         3      4       5     6        7         8       9       10
Co / ber / ta / de / re / men / dos, / pi / ca / res / ca;
  1     2      3     4     5       6       7        8     9     10
A / vi / da é / chu / la / far / sa a / sso / bi / a / da,
1     2      3        4      5      6       7       8     9     10
Ou / sel / va / gem / tra / gé / dia / ro / ma / nes / ca.”
 1      2      3       4       5      6      7      8     9      10

O esquema rimático do soneto é//ABAB/ABAB/CDC/DCD//, pelo que existe rima cruzada. Todas as rimas são consoantes porque existe sempre correspondência de sons a partir da última vogal tónica.
A maior parte das rimas são pobres (picaresca / romanesca, rugosa / receosa, pedantesca / quixotesca, receosa / nervosa), existindo algumas rimas ricas (ossada / chagada, preguiça / submissa, submissa / missa).