quarta-feira, 19 de novembro de 2014

“O Desejado”

Onde quer que, entre sombras e dizeres,
Jazas, remoto, sente-te sonhado,
E ergue-te do fundo de não-seres
Para teu novo fado!

Vem, Galaaz com pátria, erguer de novo,
Mas já no auge da suprema prova, 
A alma penitente do teu povo
À Eucaristia Nova.

Mestre de Paz, ergue teu grádio ungido,
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Revele o Santo Gral!


Análise
Tom exortativo, marcado pelo recurso ao imperativo. A projeção do mito do Santo Gral no "desejado". O herói imaculado, qual Galaaz e "Mestre da Paz", deverá erguer o seu gládio, "Excalibur" abençoado, e revelar o cálice do Santo Gral, contendo o sangue de Cristo, que dará a "Luz" ao "mundo dividido". O Gral está perto e não se vê e, por isso, é preciso a aventura espiritual.
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!

Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raíz --
Ter por vida sepultura.

Eras sobre eras se somen
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!

E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.

Grécia, Roma, Cristandade,
Europa -- os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?

Este texto épico “Quinto Império” de Fernando Pessoa, faz parte de uma obra constituída por vários textos, o qual se chama “Mensagem”. Neste poema Fernando Pessoa faz o tema central do texto “D. Sebastião” com o cognome “O Desejado”, foi o décimo sexto rei de Portugal, é conhecido pela lenda de que vai aparecer num dia de nevoeiro em cima do seu cavalo, como fosse um “messias” que vem salvar Portugal.
D. Sebastião subiu ao trono muito cedo e era muito ambicioso, pois parecendo não chegar império que Portugal possuía ainda queria conquistar África. Foi à custa dessa ambição que provavelmente faleceu. D. Sebastião morreu na batalha de Alcácer – Quibir, no nordeste de África, batalha qual saímos derrotados e ainda tivemos como consequência a crise no trono como a perda da independência perante o domínio para a disnatia Filipina.
O Quinto Império é uma crença messiânica, milenarista, concebida pelo padre António Vieira no século XVII. Os quatro primeiros impérios eram, segundo o padre António Vieira, pela ordem: os Assírios, os Persas, os Gregos e os Romanos. O quinto seria o Império Português. De acordo com as escrituras Hebraicas (Antigo Testamento), no livro de Daniel, capítulo 2, aquele religioso veio a basear este mito num trecho bíblico, que narra a história do rei Nabucodonosor e do seu sonho, com uma estátua erguida com cinco tipos de materiais.
Posteriormente a utopia do Quinto Império permeará a obra de Fernando Pessoa nomeadamente na obra "Mensagem". No caso de Pessoa os quatro primeiros impérios diferem dos de Vieira, sendo o primeiro o Império Grego, o segundo o Império Romano, o terceiro o Cristianismo e o quarto a Europa. O Quinto Império foi uma forma de legitimar o movimento autonomista português, que conseguira o fim da União Ibérica.
Este poema está divido basicamente em três partes. A primeira parte, que é constituída pela estrofe 1ª e 2ª, fala da falta de ambição do homem, que se contenta com pouco, a segunda parte é constituída pela estrofe 3ª, fala do passar do tempo, e o que homem ao longo desse tempo acabou por ficar sem objectivos, acabando por se verificar que o verdadeiro homem é descontente, e por último, a última parte que é constituída pela 4ª e 5ª estrofes que fala do aparecimento de um quinto império que seria a junção dos outro quatro (Grécia, Roma, Cristandade, Europa) num só que pertenceria a Portugal.
Pessoa tenta transmitir uma sensação de que ser feliz não é só viver o dia-a-dia e conformarmo-nos com o que temos, mas sim ter ambição de maneira a tentar ir mais longe e ser verdadeiramente feliz, ou seja viver para o sonho, para algo que ainda não alcançamos, “ Triste de quem vive em casa,” (v1). Explica também que desde que o homem existe, é inevitável que o seu destino seja outro a não ser a morte. "a lição da raiz - ter por vida a sepultura" (v9 a 10), mas Fernando Pessoa é contra esta ideia pois a vida não deve ser vivida só por viver mas sim vivida ao máximo e com muita ambição. Fernando Pessoa faz referência na sua obra às escrituras Hebraicas (antigo testamento), referindo um sonho com que fala de uma estátua erguida com 4 metais (4 impérios consecutivos, e que o quinto seria este que Fernando Pessoa fala). " (…) passados os quatro tempos do ser que sonhou" (v16 e 17).

O escritor imagina o Quinto Império, como um Império de luz, um Império de salvação. "Quem vem viver a verdade?" (v24). A meu ver Fernando Pessoa tenta mostrar com esta obra que D. Sebastião morreu mas, dando ênfase ao mito, que ele vai voltar numa manhã de nevoeiro como um salvador “messias” de maneira a salvar Portugal e criando assim depois dos outros quatro impérios, "Grécia, Roma, Cristandade, Europa" (v21), o Quinto Império, o Império Português que viria assim legitimar o movimento autonomista do povo português. 
"O Infante"
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Trata-se de um poema da segunda parte – Mar Português – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta segunda parte da obra que nos propomos analisar abordam-se o esforço heróico na luta contra o Mar e a ânsia do Desconhecido. Aqui merecem especial atenção os navegadores que percorreram o mar em busca da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre de uma missão transcendente)
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, de quatro versos (quadras). Quanto ao metro e ao ritmo os versos são regulares. Os versos são decassilábicos heróicos. Predomina o ritmo ternário, aparecendo também o binário. Este ritmo largamente repousado, convém a um discurso carregado de simbolismo. A rima é sempre cruzada, segundo o esquema rimático abab, cdcd, efef, permitindo que certas palavras chave do poema fiquem em posição de destaque, no fim dos versos, como nasce, uma, mundo, português, sinal, Portugal.
O poema poderá dividir-se em três partes, tendo em conta o desenvolvimento do assunto: a primeira correspondendo apenas ao primeiro verso; a segunda parte desde ali até ao final da segunda estrofe e a terceira constituída pela última estrofe. Na primeira está contido uma afirmação tripartida de tipo axiomático ou aforístico “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Os três termos seguem-se segundo a ordem lógica causa-efeito, associando a cada agente a sua acção. Mas sem a vontade do primeiro nenhum dos outros se concretizaria. Se Deus não quisesse, o homem e não sonharia e a obra não nasceria. O sentido aforístico da afirmação tem valor universal.: o substantivo homem refere-se ao ser humano em geral e obra designa qualquer acção humana. Note-se o uso do presente perfeitamente em consonância com o discurso axiomático.
A segunda parte poderá por sua vez subdividir-se em três momentos. A primeira subunidade diz respeito à apresentação da vontade de Deus e vai até “sagrou-te”. Deus quer a terra unida pelo mar. Note-se o projecto divino concretizado na rede semântica que aponta para essa união: uma, inteira, redonda, unisse, não separasse. Note-se o valor simbólico do verbo “sagrou-te”, sugerindo o Infante de Sagres e a escolha do Infante para uma missão divina. Além disso advém-lhe ainda grande força pelas suas conotações religiosas. O mar por sua vez é também simbólico do mistério e do desconhecido, daí o uso de expressões como “desvendando a espuma” (desfazendo o mistério). O segundo momento referir-se-á ao homem e vai até ao fim da primeira quadra. Aqui se desenvolve a ideia de que o homem sonha e põe em prática a vontade de Deus. No poema esse homem identifica-se com o Infante. Ele é o herói navegante em busca do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio: a realização terrestre de uma missão transcendente. Por outro lado é também o herói em busca de um caminho de universalidade. Assim se justifica o uso do artigo definido em O Infante e o homem, com valor universalizante. O Infante é o escolhido por Deus para concretizar o seu projecto. Isto confere-lhe um carácter divino, iniciático. Ele é aquele que sonha, que tem a visão e finalmente foi “desvendando a espuma”, ou seja realizou a obra. Pelo facto de ser português, a sua escolha para desempenhar uma missão transcendente, a sua divinização, a sua sagração é também a de todos os portugueses. Nesta parte aparece ainda a passagem do mistério para a luz em palavras e expressões como “orla branca” “clareou” (sair das sombras, revelar-se) já adivinhada na “espuma”(branca) da segunda parte e que se prolongará pelo “surgir”(sair das sombras, revelar-se) e pelo azul profundo” (do mar imenso, do fundo do mistério). A terceira vai até ao final desta segunda parte e refere-se à obra e corresponde à revelação. Há no poema vários indícios de revelação “ de repente”, “surgir”, “o azul profundo” e na terceira estrofe “sinal”. A revelação é repentina, espectacular, miraculosa. Tal é sugerido pela expressão “E viu-se a terra inteira, de repente,/ surgir , redonda, do azul profundo”. Esta visão da terra sugere a ideia de que a obra dos portugueses é o realizar de um plano divino. O redondo, a esfera, é o símbolo da perfeição cósmica, da unidade, da obra completa e perfeita que Deus quis. Ao longo desta segunda parte o tempo verbal predominante é o pretérito perfeito que permite narrar os acontecimentos passados.
Na terceira parte transpõe-se para o povo a glória do Infante. A conclusão é nítida – o povo português foi o eleito por Deus para esta façanha. Nesta estrofe temos um novo esquema hegeliano: o sonho cumpriu-se (tese), desfez-se (antítese) e deu lugar a um novo sonho (síntese). Este esquema dialéctico cíclico impõe o nascimento de um novo sonho, mas tal só se pode verificar se “ o Senhor” corresponder ao apelo que lhe é dirigido na frase exclamativa e em forma de vocativo “Senhor, falta cumprir-se Portugal!”. Teríamos assim uma nova vontade divina, um novo sonho e uma nova acção. Esta interpelação confere ao poema um pendor dramático, atendendo também em parte à tensão emocional da segunda estrofe com o surgimento mágico quase da terra redonda. Há aqui portanto um diálogo implícito entre o sujeito poético e Deus, o que acentua o carácter messiânico e misterioso do poema. Regressa-se nesta estrofe novamente ao presente o que se adequa à sucessão presente-passado-presente da dinâmica hegeliana. Após a primeira aventura gloriosa, sobreveio o desânimo. Por isso, é necessário o apelo em que o verbo falta acentua a urgência. Este último verso associado a todos os outros elementos simbólicos dá ao poema características simbolistas. O último verso sugere mais do que aquilo que afirma. Além disso os versos são curtos, estando também assim dentro da técnica simbolista. A afirmação deu sinal é a chave para o decifrar do mistério que já se vinha revelando desde há algum tempo.


Mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo!”

“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
“Quem vem poder o que eu só posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”


Trata-se de um poema da segunda parte – Mar Português – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual sujeito poético se exprime.
Nesta segunda parte da obra que nos propomos analisar abordam-se o esforço heróico na luta contra o Mar e a ânsia do Desconhecido. Aqui merecem especial atenção os navegadores que percorreram o mar em busca da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio (realização terrestre de uma missão transcendente)
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, de nove versos (nonas). Quanto ao metro os versos são irregulares. Os versos predominantes são decassilábicos, havendo no entanto também a presença de hexassílabos, octossílabos e eneassílabos. Predomina o ritmo ternário, conferindo ao poema o tom alto e sublimado próprio do poema épico. A rima é emparelhada e cruzada, segundo o esquema aabaacdcd. Verifica-se a presença de um verso solto, que é aquele que transporta em si um grande simbolismo pela referência às três vezes. Merecem ainda destaque neste campo as sonoridades que na sua maioria são onomatopaicas, possibilitando a existência de grande harmonia imitativa. As consoantes fricativas /v/, /z/ e /ch/, imitam o som do voar do mostrengo. Além disso a abundância de sons nasais e fechados, bem como da consoante vibrante /r/ contribuem para o estilo característico da epopeia. Esta predominância dá ao poema uma ressonância sombria e pesada, confirmando o tom dramático que o caracteriza.
O tema desta composição poética pode dizer-se que é a coragem do povo português diante das adversidades do mar.
Chegados ao cabo das Tormentas, os portugueses encontram o Mostrengo destinado a atemorizá-los para que desistam da sua viagem. Porém, o homem do leme faz-lhe frente, neutralizando-o pela imposição da vontade de um povo que não abdica da sua missão.
O título do poema Mostrengo é uma palavra derivada por sufixação “ monstro + sufixo de valor lexical pejorativo (mulherengo). Significa portanto pessoa muito feia; pessoa desajeitada, ociosa ou inútil; estafermo.
O sujeito poético começa por nos apresentar o mostrengo numa espécie de introdução. O mostrengo surge assim logo rodeado de mistério, pois localiza-se «no fim do mar» (noite escura). O mistério está também na expressão «três vezes» (que se repete sete vezes ao longo do poema). O número três está relacionado com as ciências ocultas, é um número cabalístico, é um triângulo sagrado, presente em muitas religiões, como a tríade da religião egípcia, a tríade capitolina (em Roma), a tríade dos cristãos (Santíssima Trindade). Fiquemo-nos pela versão que considera o número três como símbolo da perfeição, da unidade, da totalidade a que nada pode ser acrescentado. A simbologia deste e de outros números contribui para lhe conferir um sentido oculto e esotérico. De notar que a expressão referida aparece três vezes em lugar de destaque, no fim do terceiro verso de cada estrofe, que são três e que têm cada uma nove versos (múltiplo de três e aparece três vezes o refrão «El Rei D. João Segundo» que tem seis sílabas (múltiplo de três).
O mostrengo é caracterizado de forma indirecta nesta primeira estrofe. São as suas acções que se descrevem: realiza movimentos circulares intimidadores e sitiantes à volta da nau, e as suas palavras são ameaçadoras – vive numa “cavernas” que ninguém conhece de “tectos negros do fim do mundo” e “escorre” “os medos do mar sem fundo”. Estas últimas expressões estão também carregadas de mistério-terror. A dinâmica agressiva do texto é ainda sugerida pela abundância de formas verbais que traduzem movimentos incontroláveis, violentos, de terror: «ergueu-se a voar», «voou três vezes a chiar», «ousou», «tremendo». Para que a descrição deste ambiente de terror contribui a linguagem visualista, fazendo apelo às sensações visuais e auditivas sobretudo. «noite de breu», «tectos negros». É também impressionista a linguagem que nos dá a localização espácio-temporal da situação «à roda da nau», «no fim do mar», «nas minhas cavernas», «meus tectos negros do fim do mundo». A emoção dramática está patente nesta primeira estrofe através não apenas dos aspectos já mencionados, mas também através da expressividade das metáforas e até imagens contidas em «nas minhas cavernas», «meus tectos negros do fim do mundo». Estas traduzem o mistério impenetrável de qualquer coisa medonha. A emotividade desta primeira estrofe é transmitida quer pela interrogativa do mostrengo quer pela exclamativa do marinheiro. É interessante notar a fusão de várias funções da linguagem na interrogação do mostrengo (emotiva, fática e imperativa). O refrão que aparece repetido em todas as estrofes e que aparece no último verso de cada uma delas acentua a ligação do marinheiro à vontade de El Rei, constitui além disso uma espécie de coro, de voz secreta do destino a incitar o marinheiro a cumprir a sua missão. Nesta primeira estrofe o Mostrengo aparece personificado (voa, chia, ameaça) funciona como símbolo dos perigos e ameaças do mar tenebroso. Esta primeira estrofe é um discurso a três vozes: a do sujeito poético que introduz a figura do Mostrengo, a dos próprio Mostrengo e a do marinheiro. Nesta estrofe a reacção deste marinheiro caracteriza-se pelo medo «tremendo». Assustado e intimidado quer pelas palavras do mostrengo, quer pelo ambiente sinistro que o circunda, responde apenas com uma frase invocando a autoridade de que foi investido.
Na segunda estrofe o discurso narrativo do sujeito de enunciação é relegado, aparecendo intercalado no discurso directo do mostrengo. A irascibilidade do Mostrengo vai crescendo. A emotividade agressiva acentua-se nesta estrofe pelas interrogativas. Mais uma vez se deve salientar a linguagem visualista «as quilhas que vejo e ouço» «nas trevas do fim do mundo». A agressividade continua a ser traduzida por formas verbais que traduzem movimentos incontroláveis, violentos e de terror «roço», «rodou», «tremeu». Mais uma vez também a localização espácio-temporal recorre a uma linguagem impressionista «onde nunca ninguém me visse» e «mar sem fundo». Também aqui o ambiente de emoção e terror se centra nas atitudes do mostrengo «rodou três vezes», «três vezes rodou imundo e grosso, e «escorro os medos do mar sem fundo.» Este verso contém também uma metáfora imagem bastante expressiva que aponta para a permanência do terror, uma espécie de fonte inesgotável de medo (note-se o aspecto durativo do verbo escorro. Outro recurso estilístico que merece destaque ao nível morfossintáctico é a anáfora nos dois primeiros versos, acentua a procura do mostrengo do responsável pelo seu desassossego. À gradação crescente da irascibilidade do mostrengo corresponde a resposta do marinheiro que já treme primeiro e depois fala. Há um crescendo na coragem e valentia do homem do leme. Nesta estrofe aparecem dois dos três adjectivos que aparecem no poema com o objectivo de caracterizarem o mostrengo «imundo e grosso».
Na terceira estrofe esta coragem atingirá o seu clímax neutralizando o mostrengo. O drama da divisão entre o medo e a coragem vive-se no íntimo do marinheiro. Com efeito, as atitudes contraditórias de prender e desprender as mãos do leme, tremer e deixar de tremer revelam ainda alguma insegurança e um estado de dúvida que lhe provoca a divisão entre a coragem e o terror. O terror advinha do mostrengo a coragem da missão que lhe fora confiada e lhe vinha do alto. Chega finalmente a resposta segura e inabalável. Ele representa o povo português e nele manda mais a vontade de El Rei do que o terror incutido pelo Mostrengo. A forma verbal ata de aspecto durativo sugere a missão inabalável do marinheiro, ligado fatalmente è vontade de D. João II. A evolução que se verificou em relação ao homem do leme é ascendente, prevendo-se a evolução contrária do mostrengo que é neutralizado pela última resposta do homem do leme. O predomínio do presente do indicativo nas falas do homem do leme por oposição ao pretérito perfeito da narração confere às falas do marinheiro e do mostrengo maior vivacidade e força, até para o valor universal e para o tom épico da última fala daquele. Volta a aparecer nesta última estrofe nos dois primeiros versos a anáfora associada ao simbolismo do número três. Também o Mostrengo e o homem do leme são figuras simbólicas, como já nos apercebemos. Em síntese o Mostrengo simboliza os medos dos navegadores que enfrentam o desconhecido e o homem do leme é a figura do herói mítico, símbolo de um povo, e que, portanto, passa de herói individual a colectivo, com uma missão a cumprir.


"D. TAREJA"
As nações todas são mysterios.
Cada uma é todo o mundo a sós.
Ó mãe de reis e avó de imperios,
Vella por nós!

Teu seio augusto amamentou
Com bruta e natural certeza
O que, imprevisto, Deus fadou.
Por elle resa!

Dê tua prece outro destino
A quem fadou o instincto teu!
O homem que foi o teu menino
Envelheceu.


Mas todo vivo é eterno infante
Onde estás e não ha o dia.
No antigo seio, vigilante,
De novo o cria!

O poema D. Tareja enquadra-se na primeira parte da Mensagem, o Brasão
(os construtores do império) corresponde ao nascimento, com referência à mitose figuras históricas, identificadas nos elementos dos brasões. Dá-nos conta que Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinados a grandes feitos. É a parte onde Pessoa apresenta a proposta portuguesa ao mundo.D. Tareja mais não é que a fonia medieva de D. Teresa, mãe de Afonso Henriques e por isso começo e origem de Portugal, pelo menos simbolicamente. Poema constituído por 4 quadras.

A primeira quadra do poema:
Cada nação é um mundo a sós, que todas são mistérios: o mistério é o destino que espera ser cumprido no futuro.
A mãe de reis e avó de impérios é o começo do revelar desse mistério: D. Teresa é mãe de reis D. Afonso Henriques, e avó de impérios a partir de Afonso, a ideia de Império começa-se a formar.
A segunda quadra do poema;
D. Teresa amamentou com seio augusto D. Teresa era filha do rei de Leão e
Castela D.Afonso VI com bruta e natural certeza, o que, imprevisto, Deus fadou: refere-se aos conflitos que depois de criado D. Afonso Henriques este se virou contra a sua mãe e não desistiu mesmo coma probabilidade do seu fracasso.
A terceira quadra do poema:
Crítica social aos anos de 1930.
Que a tua prece nos guie em melhor direcção, do que aquela que seguimos por ordem de quem deu seguimento ao caminho que tu iniciaste.
O teu menino envelheceu poderá significar a memória e a vontade de luta e orgulho português que se vão desvanecendo, referindo-se um pouco ao episódio do mapa cor-de-rosa.
A quarta quadra do poema:
A quarta quadra confirma a 3ª: todo o vivo é eterno infante quer dizer que a esperança nunca deve ser perdida, devemos lutar pelos nossos objectivos, voltar á origem, infante ou original. 
Faz uma prece a D. Teresa já que deu à luz o 1º rei de Portugal, que sirva de modelo para aclamar de novo o orgulho e ambição dos portugueses para poderem ser maior do que o que podem ser


Poema – Ulisses

O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo –
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar nas realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
Trata-se de um poema da primeira parte – o Brasão – da Mensagem- colectânea de poemas de Fernando Pessoa, escrita entre 1913 e 1934, data da sua publicação. Dentro desta integra-se nos Castelos. Esta obra contém poesia de índole épico-lírica participando assim das características deste dois géneros. Relativamente à sua matriz épica devemos destacar o tom de exaltação heróica que percorre esta obra; a evocação dos perigos e dos desastres bem como a matéria histórica ali apresentada. No atinente à sua dimensão lírica, podemos destacar a forma fragmentária da obra, o tom menor, a interiorização da matéria épica, através da qual o sujeito poético se exprime.
Nesta primeira parte da obra que nos propomos analisar aborda-se a origem, a fundação, o princípio de Portugal. O título Ulisses remete-nos para a origem de Portugal como devendo-se a Ulisses, navegador errante, que depois da guerra de Tróia, teria aportado em Lisboa, fundando a Olissipo, futura Lisboa. A origem estaria portanto num mito. Ulisses é assim o primeiro herói a desfilar na obra Mensagem. Fernando Pessoa considerava que Portugal encontraria na sua alma “ a tradição dos romances de Cavalaria .... A Demanda do Santo Graal, a história da fundação de Roma.
Importa agora definirmos o que entendemos por mito – narrativa oral ou escrita, com personagens ou feitos fantasiosos, que tem por base um facto real.
Em termos formais, constatamos que o poema é constituído por três estrofes, quintilhas. Quanto à métrica esta regularidade não se constata, podendo observar-se uma variedade que se situa entre as quatro sílabas métricas e as sete. A rima predominante é a cruzada, seguindo o esquema rimático ababa /cdcdc/efefe, sendo ainda predominantemente pobre e grave. Na primeira estrofe e na última, merecem ainda destaque os encavalgamentos ou transportes do segundo para o terceiro verso, e do primeiro para o segundo respectivamente.
É ao longo deste poema, que se estrutura em três momentos lógicos, que se apresenta portanto um dos responsáveis pela origem de Portugal: Ulisses.
Na primeira estrofe que corresponde ao primeiro momento apresenta-se de forma lapidar uma tese: “ O mito é o nada que é tudo”. O mito é definido pelo sujeito poético como o nada uma vez que, dada a sua natureza, não possui consistência, nem fundamento, mas que, apesar disso, é tudo (note-se o oxímoro = a paradoxo), pois possui relevância e aceitação. O pendor para o esoterismo em Fernando Pessoa está aqui patente, na medida em que o mito é algo que oculta a verdade mas que também contribui para a sua revelação. Ele é nítido mas precisa de ser decifrado. Esta definição é concretizada nos quatro versos seguintes, a sua generalidade. O sol e Deus crucificado são também mitos (veja-se a heresia relativamente a Deus, considerando-o como um mito e não um facto histórico). O carácter paradoxal é reforçado pelas metáforas, imagens. O mito surge como um sol que abre os céus (repare-se no sentido conotativo de céus apontando para perspectivas brilhantes e ideias de heroicidade) e como um Deus que, parecendo morto, se revela aos homens como vivo (perífrase de Cristo crucificado). Nas duas expressões metafóricas enunciadas manifestam-se duas características do mito: a sua irrealidade (mudo, corpo morto) e o seu dinamismo (vivo e desnudo e abre os céus) Note-se ainda nesta última expressão a personificação. Estes dois mitos têm um valor simbólico importante. O Sol renasce todos os dias, enquanto Cristo crucificado ressuscita. Assim, um e outro são mitos ligados ao poder de redenção, de renascimento. Ao mesmo tempo a presença dos oxímoros vivo / morto, mudo/brilhante pretende transmitir o quanto de indefinível tem o mito. A presença do presente do indicativo justifica-se por estarmos diante da definição de mito, algo permanente.
Na segunda parte, correspondente à segunda estrofe, o assunto continua a ser concretizado, ou melhor particulariza-se o mito ao caso concreto de Ulisses, designado pelo deíctico “este”, reenviando-nos para o título. Alude-se neste momento à criação lendária de Lisboa, a Olissipo, por Ulisses. Mais do que o facto histórico concreto é a imaginação e o sonho que libertam energia criativa. Um povo define-se melhor pelos seus mitos do que pela sua História. Ulisses se bem que não tenha existido, foi elevado à condição de mito e foi através dele que se explicou a origem de Lisboa. Ulisses poderá assim representar a vocação marítima dos portugueses já que é do mar que chega este antepassado mítico dos portugueses. Concluindo, esta figura lendária foi suficiente para que o povo português se sentisse projectado para a grandeza que tem e poderá ainda ter. Ulisses foi o primeiro impulso para um povo que edificaria um império cuja cabeça seria Lisboa. O emprego constante dos oxímoros ou paradoxos “ foi por não ser ... existindo” e “sem existir ... nos bastou” e “ por não ter vindo .. foi vindo e nos criou” aparentemente contraditórias, na caracterização de Ulisses, exprimem o carácter contraditório do mito. O uso do pretérito perfeito nesta estrofe justifica-se pelo recuo a uma narração do nosso passado. As perifrásticas que aparecem nesta estrofe “ser existindo” e “ter vindo e foi vindo” caracterizam o processo gradual da criação de mitos e da sua acção.
Na terceira e última parte evidencia-se o estatuto criador do mito: é ele que “fecunda” a realidade, são as suas possibilidades criadoras que dão sentido ao real. Assim, o que verdadeiramente importa não é a existência real de Ulisses mas aquilo que ele representa: o futuro glorioso de Portugal só poderá concretizar-se através da vivência do mito e da energia criadora que ele liberta. Desta forma, este poema poderá ajudar a explicar os poemas seguintes da Mensagem onde os heróis fundadores, apesar da sua existência histórica feita de êxitos e fracassos, aparecem mitificados. Os dois últimos versos poderão significar que sem mito não há vida, “2a vida” (“a realidade”), que se situa “em baixo” note-se a expressão adverbial, só tem sentido quando para dentro dela “escorre” (movimento de cima para baixo) “ a lenda”; é a passagem do “nada” ao ”tudo”. As formas verbais “escorre” e “decorre” contêm o valor semântico de duração, traduzem assim a acção duradoira e persistente do mito. O regresso ao presente do indicativo coaduna-se com a conclusão: a lenda é essencial aos feitos dos grandes povos. Aliás esta conclusão é introduzida pela conjunção conclusiva “assim”.
Concluindo, o mito sendo uma força obscura, vinda dos confins do tempo, penetra a realidade presente, infiltra-se como sinal divino na vida, que desligada dessa força mágica, fica reduzida a menos que nada, “metade de nada” condenada fatalmente à morte.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Simbologia

Símbolos

Que a Mensagem se situa no plano dos símbolos, parece não haver dúvidas se atentar­mos na epígrafe à obra de inspiração esotérica: Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum («Bendito Deus Nosso Senhor que nos deu o Sinal»). Certa é, pois, a importância que Pessoa consagra aos símbolos (esotéricos ou não), desde logo atestada no título de uma das divi­sões da Terceira Parte da obra. Cinco são os poemas que aí receberam o nome genérico de «Os Símbolos». Cinco é o número do despertar da consciência adorme­cida e da reinvenção do dia claro, tópicos que inspiram largamente o conteúdo do segundo dos símbolos – o Quinto Império:

Note que a ligação de D. Sebastião, o pri­meiro dos símbolos, ao Quinto Império se faz através do sonho: «É o que me sonhei que eterno dura,/ É Esse que regressarei.». É ainda pela virtude do sonho que este D. Sebastião sacralizado, alma do futuro de Portu­gal e profeta que a si próprio se anuncia, se faz Desejado, no terceiro dos símbolos. O sonho torna-se esperança e refugia-se nas ilhas afortunadas, símbolo da felicidade adiada, onde «o Rei mora esperando» e donde regressará como o Encoberto, o quinto dos símbolos.

Mas Cinco é, igualmente, o despertar do centro, dos quatro elementos que compõem o universo:

D. Sebastião – a água (ou a alma);

Quinto Império – o fogo (ou o espírito);

O Desejado – o ar (a mente, a revelação);

As ilhas Afortunadas – a terra (a materialidade, a protecção).

O quinto dos símbolos – o Encoberto ­representa a harmonia, a perfeição com que esses elementos se conjugam no universo sonhado.

Símbolos são, ainda, todos os heróis que a obra celebra, transfigurados em almas do Portugal futuro que enigmaticamente pre­nunciam.

A estrutura tripartida

A estrutura
· A Mensagem está dividida em três partes. Esta tripartição corresponde a três momentos do Império Português: nascimento, realização e morte. Mas essa morte não é definitiva, pois pressupõe um renascimento que será o novo império, futuro e espiritual.
Mensagem (Resumido)

1. Nascimento – 1ª Parte “Brasão”Fundação da nacionalidade, desfile de heróis lendários ou históricos, desde Ulisses a D. Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebastiao.
2. Realização – 2ª Parte “Mar Português”Poemas inspirados na ânsia do Desconhecido e no esforço 
heróico da luta com o mar. Apogeu da acção portuguesa dos Descobrimentos, em poemas como “O Infante”, “O Mostrengo”, “Mar Português”.

3. Morte – 3ª Parte “O Encoberto”Morte das energias de Portugal simbolizada no “nevoeiro”; afirmação do sebastianismo representado na figura do “Encoberto”; apelo e ânsia messiânica da construção do Quinto Império.

Genero epico lirico da mensagem Fernando Pessoa

A obra de Fernando Pessoa Mensagem que, dando continuidade à poesia épica, pois «é marcada por um tom messiânico, a profetizar a renovada grandeza da pátria, mediante a instauração do Quinto Império» (p. 311), vai destacar-se também como criação poética que é expressão da subjectividade do sujeito poético, evidenciando marcas do texto lírico. Como apresenta características desses dois géneros/modos literários, é atribuída à Mensagem o estatuto de texto épico-lírico. Citando Jacinto do Prado Coelho (Dicionário de Literatura), «a poesia da Mensagem é uma poesia épica sui generis, melhor diríamos epo-lírica, não só pela forma fragmentária como pela atitude introspectiva, de contemplação no espelho da alma, e pelo tom menor adequado. […] Dum modo geral interioriza, mentaliza a matéria épica, integrando-a na corrente subjectiva, reduzindo essa matéria a imagens simbólicas pelas quais o poeta liricamente se exprime. Há assim na Mensagem uma dupla face de tédio e ansiedade, de céptica lucidez e intuição divinatória.» 
Tanto o texto épico com o texto épico-lírico têm sido aqui tratados, tendo como referência Os Lusíadas, de Camões, eMensagem, de Fernando Pessoa, porque estas são as obras nacionais mais representativas desses dois textos. De qualquer forma, importa ter sempre em conta que o texto lírico se caracteriza como a forma literária centrada na subjectividade, como «modalidade de expressão que escapa aos preceitos da imitação» (p. 78), o que o distingue da poesia épica ou narrativa, pois enquanto a poesia épica ou narrativa «se centra na terceira pessoa e na função referencial», o lirismo define-se, antiteticamente, pela presença dominante da primeira pessoa do presente e pela consequente hegemonia da função emotiva e da carga patética que ela envolve.» (p.80) 


Mas, apesar de lírico e épico serem definidos como textos antitéticos, a Mensagem provou que é possível criar uma obra que contenha as duas formas literárias, sabendo conciliar a matéria épica de exaltação de um passado heróico com a expressão lírica da atitude intencionalmente introspectiva, evidenciando-se como texto poético épico-lírico.

Significado do titulo "Mensagem"

Como bem indica o insigne pessoa no António Quadros no seu artigo «O título da Mensagem» (in Mensagem, Edição Crítica de José Augusto Seabra, Fundação Eng. A. Almeida, 1993, págs. 229 e segs.), à primeira vista "Mensagem" parece significar apenas isso - uma missiva, uma comunicação. E, num primeiro grau, este é um significado aceitável, visto tratar-se de um livro hermético, com uma mensagem oculta, que ao ser recebida inicia o recipiente nos mistérios que ela própria contém.

No entanto o primeiro título do livro não era "Mensagem", mas sim "Portugal". É por sugestão de um amigo - Da Cunha Dias - que Pessoa reconsidera, mudando o nome. Esse amigo ter-lhe-á indicado a evidência do nome "Portugal" estar já nessa altura demasiado vulgarizado, inclusive em marcas comerciais.

Curiosamente - ou talvez propositadamente - "Mensagem" é uma palavra com o mesmo número de letras de "Portugal". Mas uma folha no espólio explica o processo porque passou a génese deste título, que foi muito bem pensado pelo seu autor.

São os seguintes significados os encontrados nessa folha:

1. Portugal e Mensagem têm 8 letras. O oito é um número de harmonia, mas também um número ligado aos templários, mais precisamente à cruz Templária que tem 8 pontas. É a mesma cruz que depois vai nas caravelas, já cruz de da Ordem de Cristo, seguimento natural dos Templários depois da extinção destes por ordem Papal. Assim, Pessoa num primeiro sentido diz-nos que a "Mensagem" é "Portugal" e que "Portugal" é a realização da missão da Ordem de Cristo e - por descendência - da Ordem do Templo.

2. "Mensagem" é ainda dividida por Pessoa em 3 partes: MENS/AG (ITAT MOL) EM. "Mens Agitat Molem" é uma citação tirada de Virgílio na Eneida, que significa que a mente move a matéria. O objectivo da "Mensagem" seria mover as moles humanas, através da poesia.

3. Da palavra "Mensagem" Pessoa tira ainda outro significado, sublinhando ENS e GEMMA, para formar a expressão ENS GEMMA. Ou seja, ente em gema, ou ovo. É Portugal em essência, em gema. Significado também potencialmente mágico, encantatório: para os alquimistas o ovo filosófico é germe de vida espiritual, do qual deverá eclodir o ouro da sabedoria. No ovo, concentram-se todas as possibilidades de criar, recriar, renovar e ressurgir. Ele é a prova e o receptáculo de todas as transmutações e metamorfoses.

4. Noutra última hipótese, Pessoa escreve:

MENSA GEMMARUM ou mesa das gemas. Altar ou mesa onde repousam as gemas Portuguesas – Portugal, e onde se procede ao sacrifício para a realização do sagrado superior. Neste significado, Portugal seria o altar onde os sacrifícios foram realizados em nome do divino.

5. Finalmente Pessoa pega na palavra “Mensagem” e corta-a para fazer MEA GENS ou GENS MEA, ou seja, minha gente ou gente minha, minha família.

É a raça de heróis com que Pessoa se identifica e que nomeia ao longo do texto da “Mensagem”

Biografia Fernando Pessoa

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta, filósofo e escritor português.


Fernando Pessoa é o mais universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul, numa escola católica irlandesa, chegou a ter maior familiaridade com o idioma inglês do que com o português ao escrever os seus primeiros poemas nesse idioma. O crítico literário Harold Bloom considerou Pessoa como "Whitman renascido",e o incluiu no seu cânone entre os 26 melhores escritores da civilização ocidental, não apenas da literatura portuguesa mas também da inglesa.



Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa traduziu várias obras em inglês (de Shakespeare e Edgar Poe) para o português, e obras portuguesas (nomeadamente de António Bottoe Almada Negreiros) para o inglês.



Enquanto poeta, escreveu sob múltiplas personalidades – heterónimos, como Ricardo Reis, Álvaro de Campos eAlberto Caeiro –, sendo estes últimos objeto da maior parte dos estudos sobre a sua vida e obra. Robert Hass, poeta americano, diz: "outros modernistas como Yeats, Pound, Elliot inventaram máscaras pelas quais falavam ocasionalmente... Pessoa inventava poetas inteiros.

Os Lusíadas - Reflexões do Poeta

Luís de Camões, n´Os Lusíadas, não consegue calar a voz crítica da sua consciência nem a sua emoção. Então, interrompendo o tom épico, como os bons clássicos de Roma e Grécia, umas vezes, a sua palavra ganha uma feição didáctica, moral e severamente crítica; outras vezes, expressa o lamento e o queixume de quem sente amargamente a ingratidão, ou os desconcertos do mundo.


Na primeira reflexão d’Os Lusíadas sobre a insegurança da vida, Camões reage à traição protagonizada por Baco, lamentando-se da personalidade escondida dos seres humanos. Estabelece um paralelismo entre os perigos encontrados no mar e em terra, verificando que em nenhum dos ambientes há segurança absoluta. Na sequência disto, reflecte sobre a posição do ser humano face à natureza, já que na sua fragilidade e insegurança é capaz de atravessar mares e conquistar povos, ultrapassando com sucesso os diferentes obstáculos.


A reflexão sobre a dignidade das Artes e das Letras é um episódio marcadamente Humanista. Isto é observável noutras partes da obra pela demonstração da vitória do Homem sobre a Natureza e a vontade de saber e descobrir. No que se refere a este trecho específico, o Humanismo revela-se pela presença da componente pedagógica oferecida pelas “artes e letras” e pelo modelo de perfeição humana que é a capacidade de conjugar os feitos guerreiros com o conhecimento literário, objectivo conseguido pelos chefes da antiguidade (como seja o exemplo citado de César).


Camões alegra-se ao verificar que na Antiguidade sempre houve personagens protagonistas de feitos heroicos e simultaneamente autores capazes de os cantar condignamente. Em oposição, lamenta-se do facto de, apesar de os portugueses terem inúmeros feitos passíveis de serem louvados, não ser prezada a poesia, tornando-o num povo ignorante. Na sequência disto, caso continue a não haver em Portugal uma aposta nas artes, nunca ninguém exaltará os feitos dos portugueses. No entanto, Camões vai continuar a escrever a sua obra, por amor e gosto à arte de louvar, mesmo sabendo de antemão que o mais provável é não ver devidamente reconhecidos os seus versos.


No final do canto VI, Camões apresenta-nos o seu conceito de nobreza, recorrendo para isso à oposição com o modelo tradicional. Desta forma, o poeta nega a nobreza como título herdado, manifestada por grandes luxos e ociosidade. Propõe então, como verdadeiro modelo de nobreza, aquele que advém dos próprios feitos, enfrentando dificuldades e ultrapassando-as com sucesso. Só assim poderá superiorizar-se aos restantes homens e ser dignamente considerado herói. O estatuto será adquirido ao ver os seus feitos reconhecidos por outros e, mesmo contra a sua vontade, ver-se-á distinguido dos restantes.


Na reflexão que faz no início do canto VII, Camões faz um elogio ao espírito de cruzada e critica os que não seguem o exemplo português. Isto porque, para Camões, a guerra sem pretensões religiosas não faz sentido, visto ser apenas movida pela ambição da conquista de território. Assim, recorre ao exemplo do Luteranismo alemão para criticar a oposição ao Papa e às guerras que não seguem os ideais camonianos. Dirige-se depois aos ingleses, que deixam que os Muçulmanos tenham sob controlo a cidade de Jerusalém e preocupa-se apenas em criar a sua nova forma de religião (anglicanismo). Também os franceses, ao invés de combaterem os infiéis, aliaram-se aos turcos para combater outros cristãos. Nem os próprios italianos passam impunes, ao ser-lhes criticada a corrupção. Para incitar à conquista de povos não-cristãos, visto esta causa não ser suficiente, Camões lembra as riquezas da Ásia Menor e África, incitando desta forma a expansão. Termina elogiando os portugueses, que se expandiram por todo o mundotendo como fim primário a divulgação da fé.


Na segunda reflexão que faz no canto VII, Camões critica os opressores e exploradores do povo. Começa por uma retrospectiva da sua própria vida, com etapas como a pobreza, a prisão, o naufrágio, fazendo destas um balanço negativo. No entanto, para ele a maior desilusão continua a ser o facto de não vera sua obra devidamente reconhecida. Alerta portanto para o facto de os escritores vindouros se poderem também sentir desta forma, desencorajando a escrita e a exaltação dos heróis. Segue depois para uma crítica mais abrangente, afirmando que não louvará quem se aproxima do Rei tendo como intentos únicos a fama e o proveito próprio. Não louvará também aqueles que se inserem nos meios reais de forma a conseguirem poder para explorar o povo. Termina invejando aqueles que em serviço do Rei foram reconhecidos, já que ele se sente cansado pela forma como é tratado pelos compatriotas.


No final do canto VIII, Camões centra a sua reflexão nos efeitos perniciosos do ouro, constatando que a avidez em que vive o ser humano conduz muitas vezes a acções irreflectidas, independentemente da posição social. Lista todos os efeitos do metal precioso, desde traições à corrupção da ciência, ao afirmar que o ouro pode fazer com que os juízes deem demasiada importância a uma obra pelo facto de terem sido remunerados para tal.


No final da obra, Camões lamenta-se do facto de não estar a ser devidamente reconhecido, já que a sociedade se rege somente pelo dinheiro, decidindo por isso pôr-lhe termo. Não deixa no entanto de louvar os portugueses e todos os perigos por eles ultrapassados (definição camoniana de nobreza). Elogiando os heróis passados, alerta os homens do presente que a vida nobre não passa pelo ouro, cobiça e ambição. Exorta D. Sebastião a valorizar devidamente aqueles que pelos seus feitos se puderem considerar nobres. Correspondendo à visão aristotélica da epopeia, remata com novas proposição e dedicatória e incita o rei a feitos dignos de serem cantados.